Painel de Azulejo sobre Apanha Tradicional da Azeitona |
O texto que se segue resulta de um desafio lançado pelo autor do blogue à sua mãe, Maria da Puresa, a completar por estes dias 84 anos. Por sua mão, escreveu estas memórias (original manuscrito, com muito poucas alterações) sobre a "História do Azeite". Recordações que aqui deixamos como partilha e como registo de uma actividade que marcava o calendário dos trabalhos do campo e que hoje é cada vez mais mecanizada.
A APANHA DA AZEITONA
A apanha da azeitona é um pouco complicada e perigosa. Não é fácil andar numa escada em cima de uma oliveira. Às vezes a escada é atada à oliveira para ficar segura.
A azeitona é repigada à mão mas também se utiliza a vara para varejar a que está mais difícil e os ganchos para puxar as hastes que estão mais longe da escada para repigar.
Estendem-se os panais debaixo das oliveiras e começa o trabalho. Os homens sobem as escadas e vão repigando. A que cai fora dos panais é apanhada por mulheres para baldes de plástico. Antigamente eram cestos feitos de tiras de madeira.
A seguir vai para os sacos, depois é erguida. Punham-se panais encostados a uma parede e com um prato atirava-se a azeitona do saco e jogava-se ao ar no sentido contrário ao vento para limpar as folhas.
Andava-se a apanhar até Janeiro. Apanhava-se muito frio.Agora fica madura mais cedo. Iamos de manhã já com um almoço tomado e levavamos uma bucha para o meio da tarde.
Apanha tradicional da azeitona |
A família Tenreiro de Oliveira do Mondego tinha oliveiras em Travanca do Mondego e arredores. O Sr. José Cortez de Lagares era encarregado de contratar as pessoas para a apanha dessa azeitona. Formavam grupos e traziam um corno. Tocavam de manhã para se juntarem. Como as oliveiras eram longe umas das outras iam tocando durante o dia para saberem uns dos outros.
A Igreja de Travanca também tinha oliveiras em vários sítios, até no Vale do Barco. Antigamente muitas pessoas ofereciam uma oliveira à Igreja. Os membros da Irmandade é que se encarregavam da apanha dessa azeitona, chamavam-lhe a azeitona da Confraria. Também juntavam grupos: de manhã tocavam o corno para se juntarem, iam tocando durante o dia para se comunicarem e à noite, quando regressavam a casa. Essa azeitona era leiloada. Uma parte era para pagar ao pessoal, a outra revertia para a Igreja.
Só estes grupos é que utilizavam o corno.
O FABRICO DO AZEITE
Até ter vez no lagar, a azeitona era conservada em tulhas com sal; hoje em dia não se utiliza o sal conserva-se em água.
Antigamente a funda do azeite chegava a 20 e tal por cento, porque a azeitona ia para o lagar muito apertada. Os lagares só faziam três moinhos por dia.Eram tocados a água, quando faltava a água eram os bois que faziam andar a roda. Essa roda é que fazia andar as galgas, eram pedras em forma de mó feitas de pedra milheira. Estavam a andar de roda, a moer a azeitona. Depois de moida era enceirada numas ceiras enormes feitas de capacho. A seguir, ia para a prensa. Era o tronco inteiro de uma árvore muito forte com raiz e pedras agarradas. No meio tinha uma cavidade onde trabalhava um fuso, em madeira com rosca, tinha uma peça com buracos e metiam umas trancas. Eram dois homens que faziam aquilo rodar para ir baixando e apertando cada vez mais. O azeite seguia para as tarefas, que eram umas pias de pedra. Estava um tempo a apurar. Não havia separadora.
Esquema da prensagem por meio de varas |
Os lagares eram sempre em sítios baixos e com maus caminhos. Eram carros de bois que carregavam a azeitona em sacos de mais de 100 quilos. Era carregada para o carro numa padiola. Vinha um homem na véspera ensacá-la. No lagar tinha o mestre que era o responsável pelo fabrico do azeite. No Lagar da Ribeira da Pesqueira era o Sr. Joaquim Manaia da Parada. Tinha um lenheiro que fornecia a lenha para a fornalha e mato das ladeiras e mais 3 homens para descarregar a azeitona e todo o trabalho que era preciso. A luz eram candeias de azeite. Os trabalhadores dormiam em tarimbas.
Eu só fui a dois lagares desses tocados a água, o da Ribeira da Pesqueira e o do rio Alva no lugar do Cornicovo. Eram os dois do Sr. Celestino da Conchada. Mais tarde foram vendidos para o Sr. José Carlos, de Oliveira do Mondego. Também havia o Lagar do Petêlo e o da Ribeira de Lagares. Hoje, estão cobertos de água da Barragem do Coiço e da Barragem da Aguieira.
O azeite era medido para latas do dono do lagar. Quando estavam vazias tinhamos de as levar ao lagar. Quando se ia assistir à medição do azeite levava-se uma vasilha para as borras, que postas ao lume, o azeite apurava e tirava-se até dois litros.
Também se trazia a baganha para alimento dos porcos. Por cada moinho de baganha, dava-se uma refeiçao aos trabalhadores. Eu fui mais o meu pai levar almoço ao lagar da Ribeira da Pesqueira. Lá é que eu vi como eram os lagares daquele tempo.
A azeitona para curtir
A azeitona também é boa para comer. Está 30 dias ou mais em água fria, troca-se a água de 8 em 8 dias para perder o amargo. Depois é lavada põe-se num pote uma camada de azeitona, sal, louro, alecrim e folhas de laranjeira. Repetem-se as vezes necessárias. Está sem água 8 dias. Depois cobre-se de água fria. Está pronta para comer.
Diziam os antigos que a melhor água para a azeitona era a de Janeiro. Ela agora amadurece mais cedo.
Mudaram os tempos.
Maria da Pureza dos Santos Gonçalves